Manoel de Barros
“Se
fizerem algum exame mental em mim por tais julgamentos, vão encontrar que eu
gosto mais de conversar sobre restos de comida com as moscas do que com homens
doutos.”
Prefácio
Assim é
que elas foram feitas (todas as coisas) —
sem nome.
Depois é que veio a harpa e a fêmea em pé.
Insetos errados de cor caíam no mar.
A voz se estendeu na direção da boca.
Caranguejos apertavam mangues.
Vendo que havia na terra
Dependimentos demais
E tarefas muitas —
Os homens começaram a roer unhas.
Ficou certo pois não
Que as moscas iriam iluminar
O silêncio das coisas anônimas.
Porém, vendo o Homem
Que as moscas não davam conta de iluminar o
Silêncio das coisas anônimas —
Passaram essa tarefa para os poetas.
sem nome.
Depois é que veio a harpa e a fêmea em pé.
Insetos errados de cor caíam no mar.
A voz se estendeu na direção da boca.
Caranguejos apertavam mangues.
Vendo que havia na terra
Dependimentos demais
E tarefas muitas —
Os homens começaram a roer unhas.
Ficou certo pois não
Que as moscas iriam iluminar
O silêncio das coisas anônimas.
Porém, vendo o Homem
Que as moscas não davam conta de iluminar o
Silêncio das coisas anônimas —
Passaram essa tarefa para os poetas.
Hoje
trago para vocês, queridos amigos e leitores, a poesia de Manoel de Barros.
Particularmente, identifico-me demais com sua poesia, talvez pelo fato de
trazer tanto a natureza de um modo plástico que só ele sabia descrever; talvez,
por ser tão peculiar, tão indefinível, tão “poético” que dispensa definições...
Deleitem-se
com a poesia que subverte o óbvio e nos dá uma lupa para ver como as coisas são
tão diferentes do que parecem ser...
MANOEL
Wenceslau Leite DE BARROS
nasceu em Cuiabá, 19 de dezembro de 1916 — Campo Grande. Foi um poeta
brasileiro do século XX, pertencente, cronologicamente à Geração de 45, mas
formalmente ao pós-Modernismo brasileiro, se situando mais próximo das
vanguardas europeias do início do século, da Poesia Pau-Brasil e da
Antropofagia de Oswald de Andrade. Recebeu vários prêmios literários, entre
eles, dois Prêmios Jabutis. É um dos mais aclamados poetas brasileiros da
contemporaneidade nos meios literários.
Tinha um
ano de idade quando o pai decidiu fundar fazenda com a família no Pantanal:
construir rancho, cercar terras, amansar gado selvagem. Nequinho, como era chamado carinhosamente pelos
familiares, cresceu brincando no terreiro em frente a casa, pé no chão,
entre os currais e as coisas "desimportantes" que marcariam sua obra
para sempre. "Ali o que eu tinha
era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas, caramujos, lagartixas. Era
o apogeu do chão e do pequeno."
Com oito anos foi para o colégio interno em Campo Grande, e depois no Rio de Janeiro. Não gostava de estudar até descobrir os livros do padre Antônio Vieira: "A frase para ele era mais importante que a verdade, mais importante que a sua própria fé. O que importava era a estética, o alcance plástico. Foi quando percebi que o poeta não tem compromisso com a verdade, mas com a verossimilhança." "Descobri que servia era pra aquilo: Ter orgasmo com as palavras." Dez anos de internato lhe ensinaram a disciplina e os clássicos a rebeldia da escrita.
Mais ou
menos aos 19 anos, Manoel de Barros escreveu seu primeiro poema, e a partir de
então sua veia poética não mais deixou de pulsar. Ele conheceu a liberdade
criativa ao mergulhar em Une Saison en Enfer, de Arthur Rimbaud, pois aí se deu
conta do rico material sensitivo à disposição do poeta, pronto para despertar e
se traduzir nas páginas em branco. O escritor teve sua fase de militância
política, engajou-se no Partido Comunista, e deixou de ser preso graças ao seu
primeiro livro, que não chegou a ser publicado, pois a única cópia foi
confiscada por um policial no lugar do jovem Manoel. Mas abandonou o Partido
quando se desapontou profundamente com Prestes. Neste momento, decidiu voltar
para o Pantanal.Com oito anos foi para o colégio interno em Campo Grande, e depois no Rio de Janeiro. Não gostava de estudar até descobrir os livros do padre Antônio Vieira: "A frase para ele era mais importante que a verdade, mais importante que a sua própria fé. O que importava era a estética, o alcance plástico. Foi quando percebi que o poeta não tem compromisso com a verdade, mas com a verossimilhança." "Descobri que servia era pra aquilo: Ter orgasmo com as palavras." Dez anos de internato lhe ensinaram a disciplina e os clássicos a rebeldia da escrita.
Ainda não estava pronto, porém, para criar raízes neste local, pois o mundo o aguardava. Passou um período na Bolívia e no Peru, depois partiu para Nova York, onde residiu por um ano, estudando cinema e pintura, povoando assim sua poesia com as imagens mais ricas e distintas. Ao retornar para seu país, o poeta conhece Stella, sua futura esposa.
Depois de tantas aventuras, formado em Direito em 1949, no Rio de Janeiro, o poeta finalmente se decide pelo Pantanal e lá se fixa, tornando-se fazendeiro como o pai. Sua primeira obra nasceu no Rio de Janeiro e lá despertou para o público, há mais de sessenta anos, e foi batizada de Poemas Concebidos sem Pecado, lançada em pequena tiragem, com a ajuda de um grupo de amigos. Foi o primogênito de tantos outros que viriam.
O escritor
morreu aos 97 anos. Ele foi internado no dia 24 de outubro de2014 no Proncor,
em Campo Grande (MS), para uma cirurgia de desobstrução do intestino. De acordo
com o boletim médico assinado pela doutora Carmelita Vilela, o falecimento
ocorreu às 8h05m, por falência múltipla dos órgãos. Ele foi sepultado por volta
das 18h no cemitério Parque das Primaveras. O escritor completaria 98 anos em
19 de dezembro.
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Literatura › Escritores
Retrato do artista quando coisa
A maior riquezado homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.
O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Uma didática da invenção
VII
No descomeço era o verbo.Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio
Sobre Importâncias
"Um
fotógrafo-artista me disse uma vez: veja que o pingo de sol no couro de um
lagarto é para nós mais importante do que o sol inteiro no corpo do mar. Falou
mais: que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com
balança nem com barômetro etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida
pelo encantamento que a coisa produza em nós.
Assim um
passarinho nas mãos de uma criança é mais importante para ela do que a
Cordilheira dos Andes. Que um osso é mais importante para o cachorro do que uma
pedra de diamante. E um dente de macaco da era terciária é mais importante para
os arqueólogos do que a Torre Eiffel. (veja que só um dente de macaco!) Que uma
boneca de trapos que abre e fecha os olhinhos azuis nas mãos de uma criança é
mais importante para ela do que o Empire State Building. (...) Que o canto das
águas e das rãs nas pedras é mais importante para os músicos do que os ruídos
dos motores da Fórmula 1. Há um desagero em mim de aceitar essas medidas. Porém
não sei se isso é um defeito do olho ou da razão. Se é defeito da alma ou do
corpo. Se fizerem algum exame mental em mim por tais julgamentos, vão encontrar
que eu gosto mais de conversar sobre restos de comida com as moscas do que com
homens doutos."
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