Resistência ao tempo
Vivo entre dois tempos: o que foi e o que é, ou
melhor, entre o que fui e o que sou.
Em
determinados instantes adquiro as características de uma jovem intrépida,
impulsiva, intempestiva, irreverente. Faço mil planos para o futuro, me encho
de ideias, de otimismo e de expectativas. Quero urgência. Fico agitada,
ansiosa, eletrizada. Quero fazer tudo de uma vez, tudo ao mesmo tempo. De onde
vem tamanha energia? Não sei. Sei é que me armo pra luta, pra alcançar os
objetivos mais improváveis. Sou pura rebeldia e desobediência. Regras que se
danem.
Entretanto, meu relógio interno me desperta e me
faz perceber que não preciso mais planejar tanto – não a longo prazo -, lutar
tanto, esperar tanto. Não tenho mais urgência de nada. Não preciso mais de
armas porque não há por que lutar: nem por um lugar ao sol, nem por um amor.
Isso já foi conquistado. Cheguei onde pude, onde quis, onde escolhi. Posso ter
feito algumas escolhas equivocadas, mas prefiro não pensar se poderia ter sido
de outro jeito. O que está feito, está feito. Lamentar não é do meu costume.
No meu
agora, não há nada para provar aos outros e nem a mim mesma. Não há lugar para
desespero, nem para contestações. Não há lugar para sonhos difíceis, e sim para
sonhos possíveis. Não há lugar para afobações, para sacrifícios desnecessários,
para fadigas inúteis. Se não fiz fortuna até aqui, e não precisei dela, daqui
para frente é que não farei e não precisarei.
Engana-se quem pensa que entreguei os pontos, que
pendurei as chuteiras, que desisti de viver. Não é nada disso. O que eu quero
dizer é que, a essa altura da vida, eu não tenho necessidade de me esforçar
para alcançar grandes metas. Não existem grandes metas. O que existem são
pequenos desejos e prazeres que me causam grande satisfação. Descobri o quanto
posso me sentir bem com menos intrepidez, com mais moderação, com menos aflição
e com mais introspecção.
Meu espírito jovem desassossegado ainda me perturba
de vez em quando, me cutuca, me impele a agir irreflexivamente. Porém, o tic-tac
do reloginho interior me alerta e ouço uma voz que diz: - “Você não é mais uma jovem inconsequente. Pense antes de agir, respeite
suas limitações e fragilidades, não corra riscos desnecessários, não faça nada
de que possa se arrepender depois. Viva de acordo com a sua realidade e não de
acordo com a dos outros. Deixe de lado as pessoas que não se importam com você,
não crie mais expectativas em relação a elas. Aproxime-se mais daquelas que se
importam e que possam lhe oferecer o colo quando você se sentir fragilizada.
Escreva suas histórias sem se preocupar se farão sucesso ou não. Não abandone
seus projetos pela metade, se começou, vá até o fim. Não tenha medo e nem
vergonha das rugas, da celulite, da barriguinha proeminente, dos cabelos
brancos (mas não esqueça de pintá-los a cada vinte dias), tudo isso faz parte
de você agora. Você deve se deixar acompanhar sempre de suas melhores
lembranças, mas não deixe que elas absorvam todo o seu tempo. Olhe para fora da
janela todos os dias: há sempre uma novidade acontecendo. O mundo mudou, você
mudou, não adianta mais querer viver o que não existe mais. Não lute contra
isso. Aceite o que lhe é oferecido hoje e pense no melhor que você pode fazer
com isso. E olha que pode ser muita coisa!Não se sinta infeliz por não ter mais
as mesmas habilidades físicas, lembre-se de que as intelectuais são bem maiores
agora. Não se sinta obrigada a fazer o que não gosta para agradar a quem não é
importante em sua vida e não se importe com opiniões que nada acrescentem a ela.
Não sofra desnecessariamente, não se estresse por qualquer motivo, não perca o
bom humor que, aliás, é uma de suas maiores qualidades: ser bem-humorada. Não
deixe escapar as oportunidades de aprender coisas novas todos os dias. Não
abandone seus melhores hábitos: ler, escrever, reunir-se com amigos e tomar sua
cervejinha nos fins de semana. Enfim, não resista ao tempo, faça dele o melhor
amigo, não o pior inimigo.” - Falou a voz da minha consciência.
E, nessa reflexão, me lembrei agora de uma canção
do Fábio Jr. que dizia: “Nem por você nem
por ninguém eu me desfaço dos meus planos, quero é saber bem mais do que os
meus vinte e poucos anos”. Pois
é, vou ter que fazer uma pequena adaptação: “Nem
por você nem por ninguém eu me desfaço dos meus planos, quero aproveitar bem os
meus cinquenta e tantos anos.”. Afinal, não é a idade que conta, é o que de
melhor a gente pode fazer com ela.
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