Jorge de Lima
Queridos amigos e
leitores, trago para esta segunda poética o poeta JORJE DE LIMA, um autor que
talvez seja menos conhecido, entretanto, possui uma obra vasta, rica, múltipla.
Eu, particularmente, gosto muito de seus poemas, uma vez que nos traz imagens
inusitadas, uma linguagem plástica e com toques surreais... Deliciem-se com a
poesia de Jorge de Lima.
Era um
cavalo todo feito em lavas
recoberto de brasas e de espinhos.
Pelas tardes amenas ele vinha
e lia o mesmo livro que eu folheava.
Depois lambia a página, e apagava
a memória dos versos mais doridos;
então a escuridão cobria o livro,
e o cavalo de fogo se encantava.
Bem se sabia que ele ainda ardia
na salsugem do livro subsistido
e transformado em vagas sublevadas.
Bem se sabia: o livro que ele lia
era a loucura do homem agoniado
em que o íncubo cavalo se nutria.
recoberto de brasas e de espinhos.
Pelas tardes amenas ele vinha
e lia o mesmo livro que eu folheava.
Depois lambia a página, e apagava
a memória dos versos mais doridos;
então a escuridão cobria o livro,
e o cavalo de fogo se encantava.
Bem se sabia que ele ainda ardia
na salsugem do livro subsistido
e transformado em vagas sublevadas.
Bem se sabia: o livro que ele lia
era a loucura do homem agoniado
em que o íncubo cavalo se nutria.
Jorge Mateus de Lima nasceu em União dos Palmares, Alagoas, em 1895. O pai era
negociante e senhor de engenho. O menino passou os primeiros anos entre a
casa grande da fazenda e o sobradinho da cidade natal, paisagem que iria
influenciar seus escritos futuros. Depois dos estudos básicos em Maceió, com os
irmãos maristas, iniciou em Salvador o curso de medicina, que concluiu no Rio
de Janeiro. Além de exercer a profissão de médico, foi professor de literatura
e ingressou na política.
Estreou como escritor pela via neoparnasiana, conquistando o título de “príncipe dos poetas de Alagoas". Felizmente, o contato com o Modernismo e com o grupo regionalista do Recife, que contava com luminares como José Lins do Rego e Gilberto Freyre (1900-1987), fez com que ampliasse seu leque formal para ritmos mais variados e tingisse sua lira de preocupações sociais. São dessa época Poemas (1927), Novos Poemas (1929) e Poemas Escolhidos (1932). Abraçando o catolicismo de sua infância, passou a publicar obras religiosamente engajadas, como Tempo e Eternidade (1935, com Murilo Mendes), Túnica Inconsútil (1938) e Anunciação e Encontro de Mira-Celi (1951). O Livro dos Sonetos (1949) marca sua volta à métrica tradicional, mas com uma expressividade que não se encontra em suas primeiras obras. Morreu no Rio, em 1953.
Estreou como escritor pela via neoparnasiana, conquistando o título de “príncipe dos poetas de Alagoas". Felizmente, o contato com o Modernismo e com o grupo regionalista do Recife, que contava com luminares como José Lins do Rego e Gilberto Freyre (1900-1987), fez com que ampliasse seu leque formal para ritmos mais variados e tingisse sua lira de preocupações sociais. São dessa época Poemas (1927), Novos Poemas (1929) e Poemas Escolhidos (1932). Abraçando o catolicismo de sua infância, passou a publicar obras religiosamente engajadas, como Tempo e Eternidade (1935, com Murilo Mendes), Túnica Inconsútil (1938) e Anunciação e Encontro de Mira-Celi (1951). O Livro dos Sonetos (1949) marca sua volta à métrica tradicional, mas com uma expressividade que não se encontra em suas primeiras obras. Morreu no Rio, em 1953.
Essa
negra fulô – Um dos poemas mais populares de Jorge de Lima
Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.
Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.
Essa
negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!
Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
"Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!
Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
"Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
Essa negra Fulô!
INVENÇÃO DE ORFEU
Nesta "Biografia Épica", Jorge de Lima desafia definições ao
unir lírica e epopeia - e rende alguns dos momentos mais expressivos da
literatura em língua portuguesa
Invenção
de Orfeu é inquestionavelmente obra de grande fôlego na poesia nacional
contemporânea. Poema em dez cantos, compostos de metros variados, descreve uma
viagem, como a de Dante na Divina Comédia, ao Inferno e ao Paraíso — mas une
outras epopéias na sua composição, como Os Lusíadas, de Camões, além de
elementos da Bíblia e da sociedade brasileira; tudo alinhavado pela presença de
Orfeu, herói mitológico que encantava deuses e mortais com sua lira. Por isso,
essa “biografia épica", como explicita o autor no subtítulo, também é
definida por alguns por meio de uma contradição: “epopéia lírica" (a
epopéia clássica constituindo a descrição de matéria objetiva, enquanto a
lírica deriva da subjetividade). Manuel Bandeira, observando que se trata de um
poema “de técnicas e faturas extremamente variadas", afirma que “seu
sentido profundo ainda não foi devidamente esclarecido pela crítica e talvez
não o seja nunca, pois é evidente haver nele grande carga de subconsciente a
par de certas vivências puramente verbais. Como quer que seja, é obra poderosa,
onde deparamos com fragmentos de alta beleza, que são em si pequenos poemas
completos". Um exemplo: “A garupa
da vaca era palustre e bela,/ uma penugem havia em seu queixo formoso;/ e na
fronte lunada onde ardia uma estrela/ pairava um pensamento em constante
repouso".
O
simples ar
de uma só corda
em curta raia,
mão de menino,
punhado escasso,
ar perfumado,
sem o alvoroço
dos vendavais;
anjo acolhido
em róseo céu
abrigo instante,
pranto lavado,
chorar em ti
de arrependido,
subir teus vales,
amar teu pólen,
nunca escapar-me
de tuas pétalas
cair com elas.
de uma só corda
em curta raia,
mão de menino,
punhado escasso,
ar perfumado,
sem o alvoroço
dos vendavais;
anjo acolhido
em róseo céu
abrigo instante,
pranto lavado,
chorar em ti
de arrependido,
subir teus vales,
amar teu pólen,
nunca escapar-me
de tuas pétalas
cair com elas.
Os textos
de Jorge de Lima abrigam uma colossal possibilidade de leituras (a convivência
entre a tradição e o novo, o vulgar e o sublime, o regional e o universal)
refletem um artista em constante mutação, que experimentou estilos diversos
como o parnasiano, o regional,
o religioso,
o surreal. Na sua multiplicidade, Jorge de Lima pertence a todas as épocas,
mesmo se reportando a um tema ou uma situação específica, ao tocar em
injustiças sociais que mudaram pouco desde o início da civilização e quando
escreve sobre as grandes dúvidas de todos nós, "…da miséria humana, da
tentativa de superação de nossas amarras e de nossas limitações.",
explica o poeta e jornalista Claufe Rodrigues, leitor voraz de Jorge de Lima.
Mulher
proletária
Mulher proletária — única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.
Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.
Mulher proletária — única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.
Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.
Pelo silêncio
Pelo silêncio que a envolveu, por essa
aparente distância inatingida,
pela disposição de seus cabelos
arremessados sobre a noite escura:
pela imobilidade que começa
a afastá-la talvez da humana vida
provocando-nos o hábito de vê-la
entre estrelas do espaço e da loucura;
pelos pequenos astros e satélites
formando nos cabelos um diadema
a iluminar o seu formoso manto,
vós que julgais extinta Mira-Celi
observai neste mapa o vivo poema
que é a vida oculta dessa eterna infanta.
Pelo silêncio que a envolveu, por essa
aparente distância inatingida,
pela disposição de seus cabelos
arremessados sobre a noite escura:
pela imobilidade que começa
a afastá-la talvez da humana vida
provocando-nos o hábito de vê-la
entre estrelas do espaço e da loucura;
pelos pequenos astros e satélites
formando nos cabelos um diadema
a iluminar o seu formoso manto,
vós que julgais extinta Mira-Celi
observai neste mapa o vivo poema
que é a vida oculta dessa eterna infanta.
http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/invencao-orfeu-403430.shtml
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