Desafio dos Três (Saudades Salgadas)
SAUDADES SALGADAS
Lembrava
que foi depois de um empurrão filosófico, sumário e musical de Guilherme
Arantes que a vida dele se encheu de aventura. Não que não houvesse alguma
emoção... Mas os versos “As pessoas sempre têm chance de jogar de novo e
errar, ver o que convém, receber alguém no seu coração, ou não. Infelizmente
nem tudo é exatamente como a gente quer... Deixa chover, ah, ah, ah, deixa a
chuva molhar!... DENTRO DO PEITO TEM UM FOGO ARDENDO QUE NUNCA VAI SE APAGAR!”,
ah, esses transformaram qualquer pulada anterior de cerca num mero saltinho
do tipo daqueles três, quando se pede ao santo uma ajuda pra se encontrar algo
perdido. O negócio não foi brincadeira, não.
Andava
agitado, com atitudes estranhas... Adquiriu hábitos esquisitos. Vigiava o
celular quando este ficava à mostra. Na maior parte do dia, o aparelhinho
facilitador de encontros ficava desligado e escondido. Ele nem sabia ainda das
vantagens desse telefone móvel quando meses antes recebia mensagens
estimulantes e apaixonadas. Enlouqueceu. Percebeu-se desejado. Os recados eram
elogiosos, ousados. Não deu outra: seu coração, que era aberto, escancarou de
tal maneira que nem fecha mais. Porta quebrada sem conserto possível. Entrou em
sua vida um novo amor. Amor que o fez mais leve, mais vivo, mais homem.
Sentiu-se feliz, feliz.
Não
era do tipo malandro, não. Era preto no branco, sem outras possibilidades de
cores. O que fazer? Era casado há quase quinze anos. Às vezes pensava naquele
sentido do qual as mulheres são providas e que descobrem a verdade partindo
apenas do exame da sua expressão quando lhe perguntam algo e a gente fala
mentira. Resolveu contar tudo: nome e endereço de seu novo amor. Fez isso
deitado na cama, quando sua mulher cochilava com o corpo voltado para o outro
lado. Era costume dela. Disse “preciso falar com você e é assunto sério...
Estou amando outra pessoa.” Aí falou desde quando e até quando pretendia amar
assim. Sucedeu-se o inesperado. Após explosões compassadas de indagações e
revolta, ela chorou. Chorou sentido e copiosamente. Chorou mares e oceanos.
Chorou bem diferente dos choros das crianças. Chorou como mulher que precisava
de abraço e carinho. Ela tremia. Ele abraçava mais. Apertava-lhe as costas
contra o peito. Beijava. Enxugava as suas lágrimas. Começou a noite falando da
outra. Terminou amando a mesma.
Indefinição
no dia seguinte. E nos sucessores daquele dia. Pediu paciência para a
companheira. “Mais?” “Sim, mais!” Precisava vê-la numa manhã. Foi até a casa de
quem se derramava por ele há menos que um décimo do tempo em que pensava
suportar o seu cônjuge, aguentando as suas neuras e convivendo com as suas
falhas, sem que soubesse até muito por quê. Suas histórias eram diferentes. Mas
não somos todos assim? Indivíduos? Por que nos aproximamos e nos queremos e
choramos por quem nos cruzou os caminhos? Foi já sentindo saudades... Eram
fortes e variadas as saudades. Tinham gosto de lágrimas... Saudades salgadas.
Do pouco que viveu com ela e foi forte. Do que viveria ainda e ainda mais
forte. Uma parte dele foi ceifada. Caminhava para ceifar a parte dela.
Difícil.
DIFÍCIL.
Enquanto
limpava o seu quintal nos fins de semana de inverno costumava ouvir CDs antigos
cujas faixas sabia de cor. Cuidou de providenciar outros. Reivindicação de sua
mulher e de seus filhos. Como eram de festas e a época muito propícia para as
delícias caipiras de São João, comprou discos novos e sertanejos. Uma coleção
de Milionário e José Rico trazia uma canção especial, que mexia por dentro dos
donos daquele quintal, daquela casa, daquela vida. “A carta”. Não foi difícil
decorar os versos dela. A mulher aumentava o volume e repetia e chorava
escutando os seus acordes: “Como eu poderia dar a ela esta carta, como eu
vou deixar pra sempre aquela casa, se eu já sou feliz, se eu já tenho amor, se
eu já vivo em paz? E por isso decidi que vou ficar com ela... A minha passagem,
por favor, cancela... Vá sozinha, não vou mais...Vá sozinha, não vou mais...”
Tinha
profundo respeito pela genialidade de Guilherme Arantes... Sua sensibilidade,
tudo. Mas a dupla violeira, de palavras simples e tradutoras de nossa tão
complexa existência, é que o fazia sentar e chorar.
Marcio Fazenda
Saudades Salgadas
É ele, esse maldoso tempo, é o vilão dessa
história toda!
Ele nos rouba nossos sorrisos plásticos e nossas esperanças inocentes!
É ele que nos faz escravos dela!
Dessa saudade que entorpece o espírito!
É ela que preenche as noites mal dormidas, as fantasias impossíveis e
Acompanha a dor que estala no peito!
Somos todos servos do que fomos!
Mantemos laços com seres estranhos que um dia, habitaram a nós mesmos!
Aquele que aparece nas fotografias velhas,
Aquele que se esconde por trás dessa imagem fosca
Que você vê em todo amanhecer quando encara o espelho enquanto escova seus dentes!
Há uma penumbra do que fomos!
Lembranças falhas de rostos de quem um dia pertencemos,
e de quem tanto amamos, por quem tanto esperamos...
Os desconhecidos tão familiares!
Planos mortos de um futuro que hoje se faz presente!
Somos todos solitários! Seres que apenas pertencem a si mesmos!
Cheios de histórias que cada um de nós saberá contar pelo olhar de cada um de nós!
Por isso, somente eu sei de minha dor! E apenas você poderá falar de sua saudade!
Seremos sempre escravos dela, porque não podemos apagar o que vivemos!
Doces lembranças que explodem na alma e transbordam em forma de lágrimas,
materializando-se delicadamente e ganhando espaço pela face marcada pelo tal vilão!
Percorrem o caminho curto dos olhos que um dia viram,
e caem nos lábios que um dia sentiram, e se transformam em Saudades...
Saudades um dia adocicadas e que hoje se fazem salgadas!!!
Ele nos rouba nossos sorrisos plásticos e nossas esperanças inocentes!
É ele que nos faz escravos dela!
Dessa saudade que entorpece o espírito!
É ela que preenche as noites mal dormidas, as fantasias impossíveis e
Acompanha a dor que estala no peito!
Somos todos servos do que fomos!
Mantemos laços com seres estranhos que um dia, habitaram a nós mesmos!
Aquele que aparece nas fotografias velhas,
Aquele que se esconde por trás dessa imagem fosca
Que você vê em todo amanhecer quando encara o espelho enquanto escova seus dentes!
Há uma penumbra do que fomos!
Lembranças falhas de rostos de quem um dia pertencemos,
e de quem tanto amamos, por quem tanto esperamos...
Os desconhecidos tão familiares!
Planos mortos de um futuro que hoje se faz presente!
Somos todos solitários! Seres que apenas pertencem a si mesmos!
Cheios de histórias que cada um de nós saberá contar pelo olhar de cada um de nós!
Por isso, somente eu sei de minha dor! E apenas você poderá falar de sua saudade!
Seremos sempre escravos dela, porque não podemos apagar o que vivemos!
Doces lembranças que explodem na alma e transbordam em forma de lágrimas,
materializando-se delicadamente e ganhando espaço pela face marcada pelo tal vilão!
Percorrem o caminho curto dos olhos que um dia viram,
e caem nos lábios que um dia sentiram, e se transformam em Saudades...
Saudades um dia adocicadas e que hoje se fazem salgadas!!!
Pit Larah
Saudades salgadas
Ainda havia resquícios dos momentos em
sua cabeça. As imagens dançavam em seus pensamentos. Ela se lembrava... As
conversas temperadas com bebidas quentes, os risos. Foram todos momentos bons:
nada ali não valera a pena. As conversas eram sempre encadeadas uma após o fio
da meada da outra, a naturalidade com que as palavras saíam das bocas, os
risos, ah... os risos. Vibrantes.
Os olhos se tocando com frequência, o
volume das covas das bochechas, o avançado das horas, a vontade de mais, mais,
mais enquanto tudo eram apenas sobras de minutos que a rotina consumia, que a
inveja consumia, que o ciúme consumia. Queriam o quê? Nada além de se deixarem
levar por aqueles minutos temperados com palavras. Com pausas de olhares. Com
intervalos de silêncios a se denunciarem. Estavam apaixonadas, mas nem se davam
conta disso porque viviam o sentimento sem perguntar. Eram o quê? Almas irmãs?
Essa porra toda então de vidas, vidas além da vida, antes da vida, depois da
vida? Que importava! Amavam-se com a mesma intensidade e leveza das ondas.
Quando se encontravam podiam retirar o
peso da fachada, a tinta sobre a tinta que se desgastava à medida que a beleza
do que eram realmente ameaçava aparecer. Retiravam de suas costas o fardo feminino-feminista
com que lhes rotulavam e eram apenas gente. E transformavam em longas horas
aquelas sobras de minutos e se amavam, e se contemplavam, e se apoiavam, e se
aconselhavam; como dois grandes velhos amigos das datas remotas que se
encontram.
Ah... mas as lembranças daqueles
tempos antes de tudo acabar apertavam o peito, faziam o coração borbulhar em
chamas. Não lembrariam, então, quando já das últimas vezes foram ambas ao
encontro do mar? Aquelas almas tão irmãs, tão amantes, tão paradoxalmente
gêmeas galoparam juntas sobre as águas do mar. Emoção descontida igual não
poderia haver, porque se pudesse estabelecer um padrão de perfeição seria aquele:
tudo o que mais amava estava ali, numa sobra de momento. O aroma doce da
maresia que lhe entranhava os poros deixando sua pele branca, as gotinhas de
água que umedeciam sua blusa e a fazia colar no corpo, misturando sal e suor. O
movimento do corpo do cavalo entre suas penas; entre suas pernas outro corpo
humano responsável por abrigar aquela alma macia.
O cheiro suado da nuca. O cheiro
salgado do mar. O cheiro de sal que saía do suor do cavalo. E quem as olhasse
assim juntas a galoparem no mar nem poderia supor a traição que praticavam aos
preconceitos humanos. Cada uma daquelas criaturas sabia, dentro de si, o pulsar
do tesão que explodia a cada batida da onda contra seus corpos; cada uma trazia
em si o segredo trancado de um sentimento real, puro, verdadeiro e condenado.
Contudo, naqueles momentos roubados,
elas galoparam, elas se abraçaram enquanto suas peles suaves grudavam ao corpo
veloz que as levavam a um passeio às nuvens. Sorrisos e risos porque nada ali
era programado: apenas um encontro de almas que se amaram desde o primeiro
momento. Quando se dariam conta? Quando a poesia se transformaria em palavrão?
Era mais fácil atravessarem aquele mar inteiro a nado que as pessoas não lhe
apontarem dedos e beiços sem compreenderem o que passava, sem lhes condenarem a
um inferno metafórico em que as palavras e olhares ardem mais que o sal nos
próprios olhos.
Tudo o que lhes restaria seriam
saudades da perfeição. Saudades que iriam arder por muito e muito tempo e que
iriam temperar as noites insones, quando a fachada poder-se-ia, então, ser
deixada num canto e junto ao travesseiro abandonar o choro. Aqueles corpos não
eram ideais para andarem de mãos dadas; não eram ideais para procriarem; não
eram ideais para o padrão de amor des-romantizado dos tempos modernos. Mas
aquelas almas... ah, elas formavam um par perfeito.
E ela se lembrava disso, enquanto as
lágrimas podiam escorrer livres a galoparem pela sua face, temperando de sal
sua saudade mais infinita...
Elayne Amorim
Imagens: Google
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