O sentido, as divergências e o grilo na roseira.

Uma noite dessas, zapeando pelos links que salvei enquanto navegava na internet, passei por um post que me chamou a atenção. Não li a matéria porque, assim como a maioria das pessoas, faço quase tudo diferente do que os médicos dizem pra fazermos e vou me deitar levando o celular pra cama. Fico postando, jogando, estudando inglês e salvando os links dos assuntos que me interessam e que leio no dia seguinte no notebook, bem melhor pra essas coisas. O post trazia uma pergunta intrigante, velha conhecida das gentes, companheira de muitas nacionalidades, idades, personalidades: qual o sentido da vida?



Confesso que ri. Pensei: de fato, esta é uma pergunta sem resposta. Lembrei do curso de inglês “Your question do not have an answer”. Abri a página principal do Facebook, deixando aquele mistério todo pra lá. #SomostodosMaju, foi a primeira sentença que li e que reli, e li de novo, mais de umas trinta vezes. Muitas pessoas debatendo novamente velhos problemas. Situações que ainda temos que combater, começando por nós mesmos, pois está tudo enraizado inconscientemente. Entenda um pouco mais sobre isso aqui:



“Combata suas pequenas corrupções diárias antes de falar mal do governo.” “Deixem as mulheres decidirem o que é melhor pra elas.” “Os fundamentalistas religiosos é que são responsáveis pelos oito pontos na cabeça daquela menina do candomblé.” “A mulher que queimou o cachorrinho vivo já teve sua identidade descoberta por hackers.” “Não se pode confundir as coisas, agredir a presidente com um adesivo que incita à violência e ao estupro não vai solucionar a crise.” “Não temos escolas cidadãs, não temos prisões que resolvam, nem um sistema judiciário exemplar, reduzir a maioridade penal não muda nada.”

Muitos conhecidos na rede, muitas opiniões, muitos debates, muitas divergências. Mais divergências do que convergências. Qual o sentido daquilo tudo que eu estava lendo? Duas da manhã. Eu não tinha sono. Na noite anterior, tinha ficado “ligada” até às quatro. Tentei coordenar os pensamentos e entender como as coisas estavam me afetando. Como eu e meus amigos estamos incomodados com tantos desacertos, mas não estamos impassíveis, ou será que estamos? Me assustei com tal pensamento. Espera, quer dizer que eu não faço nada? Ah, não, eu compartilho coisas legais, eu vibro em boas energias para as pessoas que gostam de mim e até para as que não gostam! Como posso pensar que não faço nada?!



Aí voltou aquela pergunta intrigante e sem resposta. Qual o sentido da vida? Desliguei o wifi do celular, apaguei a luz, deitei e tentei não pensar em nada, mas a ideia de que estamos sempre nos construindo e desconstruindo e reconstruindo não me largava. Para completar, um grilo cantou insistentemente por alguns longos minutos na minha cabeça quente.



Refleti um pouco e pensei que talvez o sentido esteja em fazer as coisas de verdade, no mundo real, mas não deixando o mundo virtual de lado, porque ele também é importante. Quantas coisas boas não disseminamos na rede, quantas atitudes maravilhosas não nos emocionam, de pessoas ajudando pessoas, ajudando florestas, animais. Quanta gente fazendo coisas verdadeiramente boas sem esperar nada em troca. O mundo virtual não é só ruim, é também uma grande vitrine que nos estimula a sair do repouso e passarmos à ação.

Talvez o sentido esteja também em ser quem se é, não viver preocupado em agradar a todo mundo, até porque isso é impossível, mas também porque isso demonstra falta de personalidade, insegurança, medo. Sermos nós mesmos, caminhando por uma estrada construída sobre pilares de bondade, de boas ações, bons pensamentos, boas energias, bons aprendizados (não estamos finalizados, não somos perfeitos, estamos em constante aprendizado, lembram?). Por que não tentar?

Talvez, ainda, o sentido esteja em não se calar diante das situações que incomodam, revoltam, machucam. Preconceitos de todos os tipos (para que? por que?), amor ao poder que esmaga o povo (políticos e sua ganância infinita), amor ao dinheiro que destrói a vida (desmatamento, tráfico e comércio de animais), desamor com crianças e idosos.
Sair de verdade das redes e cair no mundo também de verdade, mas com bons paraquedas, olhando tudo em volta, sabendo onde e como vai cair, firmando bem os pés no chão. E só então caminhar.



Olhei o relógio. Três e meia. Depois de passar aquelas horas mergulhada no silêncio da noite profunda, pensando sobre as questões que me afligiam e para as quais eu não conseguia encontrar respostas, percebi que o grilo tinha ficado quietinho. Talvez até já estivesse dormindo, equilibrando-se - pequeno malabarista que era - num galho fino da roseira. Achei engraçado imaginar a cena e sem perceber, soltei uma bela risada, me esquecendo que já era tarde e que outras pessoas dormiam. Me dei conta da simplicidade absurda que era imaginar um grilo dormindo de cabeça pra baixo, num galho de roseira, num quintal de uma casa, num bairro de uma cidade do interior, de um estado pequeno, de um país enorme e de um mundo maior ainda. As coisas simples geralmente são as mais legais, as mais divertidas e as mais importantes. Então pensei que não importava muito a nacionalidade, a idade, a personalidade. Havia algo que conseguia alcançar a todos nós, nos tocar de alguma forma, nos unindo por laços invisíveis, mesmo que oceanos e placas tectônicas nos distanciem uns dos outros. Um pequeno despertador interno que dispara em momentos de crise, nos mostrando que a crise serve para isso mesmo. Sacudir o que está quieto, nos fazer andar, correr, gritar, xingar, querer mudar, mudar de fato, mudar a nossa vida pra melhor, a vida dos outros pra melhor, mudar o mundo (quem sabe), mudar tudo de lugar, feito um terremoto que não se sente na superfície, mas afasta placas tectônicas e agita as águas dos oceanos, enquanto, do outro lado do mundo, um grilo dorme de cabeça pra baixo, pendurado numa roseira e eu durmo em paz, pensando em como tudo está conectado e que às oito tem café me esperando na mesa.

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