Há um tempo em que já se precisa de tanto...



Há um tempo em que já não se precisa de tanto. Em que a procura é mais profunda e a espera mais tranquila. Há momentos em que o sol basta. Razão maior é ver as formigas carregando sua imensa provisão e o céu tão azul que se sente felicidade só de contemplá-lo.
De repente, as palavras todas já conhecidas tornam-se fontes renováveis, porque bonito é crescer. Bom é se sentir satisfeito sozinho com o que lhe basta de não seu: asas de par em par no céu, borboletas visitando as flores do seu jardim, enxergar o sol se pondo e ainda ver sua luz sobre as pontas dos morros. Sentir o cheiro de mata e árvores, escutar os pássaros grasnarem. No corpo de um cavalo agarrar-se e se deixar.
Ver uma pulga saltar é mais belo que os espetáculos grotescos do ser humano. Tenho mais dom para fumaça de cozidos, aroma de café bem quente e melodias sonolentas ao cair da tarde.
Meu espírito vibra com as vidas desta terra. Gaviões pegando ratos num rasante de pouso rápido. Tudo o que a natureza exibe é poesia a escorrer pelas minhas mãos, a se gravar em minhas memórias.
Há um tempo em que se descobre: nunca se precisou de tanto. O tanto é a importância que se dá. A importância está no que nos abala, nos mexe fundo, nos fazendo levantar o corpo, a voz.
A árvore balançando suas folhas no alto do morro é mais importante que a inveja ou o preconceito – que, aliás, devem deixar serem levados pelo vento. Há mais aprendizados nos olhares dos bichos do que nas palavras dos tolos e hipócritas. Palavras e sentimentos ruins se combatem com música e boa leitura, com muitas aliterações e assonâncias.
Com um pouco de paciência, acha-se a poesia escondida dentro do que somos.
Há beleza em canários cantando soltos nos galhos como num amigo abraçando o outro. São coisas que eu não sei explicar, mas a poesia sabe.

Elayne Amorim

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