Preciso falar de amor
Em meio a
tanta confusão, tanta desavença, tanta opinião firme sem argumento... Eu só
queria falar de amor. Às vezes não há espaço em mim para falar de amor num
tempo em que a dimensão de seu significado é tão ampla e vazia. É difícil falar
de amor talvez porque seja difícil amar, difícil (se) perdoar para dar espaço
ao amor. Queria falar de amor sem tentar dar-lhes mais significados. Amor é
amor. Falar de amor como a tarde que cai tão leve e plena. Como a
incondicionalidade de um cão que tem um laço inexplicável com você. Como a
liberdade do cavalo em não saber o que é afeição. Sabor de fruta do conde
madura, amor. Aquela pessoa que salva sua rede (de futricas) social com uma
palavra amiga, um boa noite de longe que chega perto, uma imagem bonita.
Eu preciso
abrir espaço entre os meus pesadelos, eu quero forçar uma brecha para que entre
um fio de luz. Eu não quero razão! Eu quero a totalidade de uma semente
compondo um germinar de árvore onde abriga pássaros e namorados enamorados. Tem
sido tão custoso amar e amar é um ato tão fácil, tão natural, que aproxima as
pessoas e as deixa leves. É como ler um livro e sentir prazer com os olhos. É
como imaginar uma história e criar um mundo paralelo que só você vê. É como
cheirar um perfume bom, ou comer uma comida gostosa, ou beber um gole tão leve
que lhe sacia a sede. Tudo isso é amor.
Por que está
tão custoso amar? Por que as pessoas guerreiam tantas frases? Por que se (nos)
apavoram? Por que tocam numas às outras com tanta rispidez de olhar, de sangue
quente, de palavras que não vão mais se apagar? Eu não me importo em não saber
o que seja o amor, eu quero amar. Eu quero falar de amor, mas deslizar pela
suavidade e densidade de cada palavra. O
essencial é invisível aos olhos e transcende as barreiras do tempo, da razão,
do espaço, do corpo. Eu sempre soube disso e, às vezes, me perco em meio a
tanta confusão confusa e sem sentido das discussões que se tornam barreiras aos
meus olhos.
Mas o amor,
seja lá o que for, é algo que cura. Ele entra por aquela brecha, até mesmo
chaga ainda aberta e cura. O amor só pode ser oferecido, jamais devolvido,
nunca diminuído. Amor é só uma
palavra para algo tão grandioso e inexplicável e não me canso de falar dele,
nele, porque ele é o primeiro sentimento. Trazemos de longe, apesar de toda
ruindade, apesar, apesar, apesar. Ele é o que se contorce em nós quando vemos
em alguém o essencial invisível. Ele é esse canto de cigarra embutido na tarde
que escurece e dialoga com nosso espírito se deixarmos. Ele não é bandeira, ele
não é filosofia, ele não é raciocínio; talvez mais próximo da poesia, sua
linguagem, muitas vezes, só pode ser ouvida quando nossos ouvidos se abrem ao
que sussurra e não ao que grita, esbraveja, esbofeteia, humilha, suja...
Às vezes é
necessário fechar olhos e ouvidos, dar as costas mesmo para os espetáculos de
pessoas que não prestam atenção no que falam, aos espetáculos grosseiros de
seres humanos que atentam contra a vida, a dignidade, a liberdade de outro ser
humano. Porque para lutar – inclusive para lutar por uma causa – não vejo
possibilidade se não for por amor. Porque se ele é a asa da borboleta causando
efeito; ele é também leão que, com um rugido, silencia a selva.
Elayne Amorim
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